TEORIA

Quantas histórias guardam um corpo?

Eu me lembro de o escritor Nelson de Oliveira ter dito que muitas vezes aqueles erros que nos confrontam, que reaparecem em novas roupas, por mais que tentemos apagá-los, nos constituem, constituem nossa voz, nosso estilo.

 

Estou parafraseando-o, provavelmente ele disse algo bem diferente disso, mas, do que ouvi, isso foi o que me marcou e me fez muito sentido. Quando fiz a tutoria para a escrita da Dança Sueca, um dos “defeitos” apontados pela tutora no romance era a quantidade grande de personagens e de histórias, muitas desnecessárias.

 

Demorei a entender que este é meu estilo, mais exatamente quando fui apresentada ao universo incrível de Alice Munro. Cada conto seu é constituído por personagens complexos (mais complexos que em muitos romances) justamente porque carregam muitos personagens em si.

 

Quando percebi que, justo eu, que me debrucei sobre o tema alteridade no doutorado, não posso negar que cada pessoa é constituída de muitas pessoas e atravessada por muitas histórias. Evidentemente isso também estará nos meus escritos e em meus personagens, não há como escapar.

 

Não por acaso meu tema favorito é a família, mais especificamente a família brasileira, grande, que enche as mesas aos domingos, todos falam ao mesmo tempo, ninguém se entende, todos se entendem. A tia é também irmã, mãe, filha, cunhada, ao mesmo tempo que sempre terá um papel com o qual se vestir, mesmo que não lhe sirva mais, a filha pródiga, a quieta, a problemática etc.

 

Em Dança Sueca mantenho essa confusão de denominações e esses papéis imutáveis. Em A face mais doce do azar também, ainda que trate de assuntos mais difíceis.

 

Posso mudar de assunto, tema, mas não abro mão das muitas histórias e pessoas que uma só pessoa carrega. Mesmo que escreva um romance sobre um personagem apenas, inevitavelmente, o romance será sobre mil e uma histórias.

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Vera Saad

Autora dos romances A face mais doce do azar (Claraboia, 2023), Dança sueca (Patuá, 2019) e Telefone sem fio (Patuá, 2014) e do livro de contos Mind the gap (Patuá, 2011). É mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC – SP e doutora em Comunicação e Semiótica também pela PUC – SP. Vencedora do concurso de contos Sesc On-line 1997, avaliado pelo escritor Ignácio de Loyola Brandão, foi finalista, com o romance Estamos todos bem, do VI Prêmio da Jovem Literatura Latino-Americana. Seu romance Dança sueca foi selecionado pela Casa das Rosas para o projeto Tutoria, ministrado pela escritora Veronica Stigger, e ganhou menção honrosa no Concurso Internacional de Literatura UBE-RJ. Seu romance A face mais doce do azar foi contemplado pelo Proac 2022 e realizado sob a mentoria de Jarrid Arraes. Mantém a coluna Palimpsesto na revista Vício Velho.